quarta-feira, 19 de outubro de 2011

Crônica da Sala de Aula (a infância)

Na tessitura de seu ambiente e configuração de seus corpos, as crianças estão sentadas, mais um dia, mais uma aula, mais uma vez. Elas podem ter apenas seus lúdicos seis ou sete anos de idade. Os pequeninos – do ponto de vista jurídico - não são considerados seres autônomos e plenamente capazes de usufruir o que se entende por direito e responsabilidade social, bem conforme o espírito de um Estado que se diz de Direito, que se diz também de ordem Civil, ou, que prega e proclama a noção de igualdade para todas as pessoas (para todos os seres).
            Os infantes pululam como “marginais” à Lei (selvagens, estrangeiros), tomam visibilidade jurídica na condição de negativadas à medida que “protegidas” (por serem vítimas dos crimes, da pedofilia, da fome, dos maus tratos e abandono da família ou da instituição e do esquecimento social), por efeito, elas deverão ser indivíduos, sujeitos pueris: são nomeadas, classificadas, identificadas: abstraídas nessa torrente quantificadora da realidade estatística.
            Dentro dessa normalização, jus à infância institucionalizada do sistema educacional, surge uma pessoa chamada de “tia”: a professora. Ela responde não só com a articulação dos lábios, mas com a alma também. Talvez não tenha lido Paulo Freire e aceita o adjetivo sem nenhuma crítica. Assim ela inicia mais uma dinâmica, lê uma história, inquire às crianças a narrativa do texto, depois separa no quadro algumas palavras: “chácara”, exercita a pronúncia certa: - chácara é bem diferente de “chacara”; escreve outra palavra perto desta, xícara; os infantes já não pronunciam “xicara”; e quando são motivadas a dizerem o que as palavras significam no seu contexto, relatam com espontaneidade vários fatos objetivos: - Meu pai toma café na xícara; - Eu vou à roça. Eu vou à chácara do meu avô!
            Do silêncio elas falam, expressam, dizem, mas seus dizeres não são ecoados, vociferados, não são acústicas audíveis, porque disputam com as intervenções da professora, lógica óbvia, posto que seja justo à essa dispersão, equiparada à falta de sincronismo de disciplinamento e ordem da sala; são acontecimentos que elas verbalizam sobre o que conectam aos seus universos paralelos.
            As falas das crianças! São bolhas flutuantes, flatos do silêncio. Mas são falas que tentam se orquestrar, dentro de um fundo caótico, conquanto não dure muito à proporção que o efêmero “silêncio” da intervenção, da interdição, venha mais uma vez, de tal forma que não prevalecerá nem um, nem outro, ou seja, nem o caos, nem o silêncio, tampouco o terceiro elemento que escusa a presença dos atores naquela sala de aula: a gramática da infância, ludicidade das letras do mundo.

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