quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

Paul Tillich e Hannah Arendt : Concepção da História

Ao ler com os pensadores alemães aprendemos muito sobre a política, a prática social. Hegel, Max, Marx Weber, etc., nos legam uma impressão: a História que se conta está mais no método de pesquisa (?). Por exemplo, essa relação de história e metodologia, em Tillich (1992, p.64), acontece pela visão crítica da ideia de progresso à proporção que sua histórica tem inspiração na ideia de sentido e de interpretação do sujeito histórico, por isso, para Tillich, é necessário pensar o Kairos (palavra grega que significa o tempo oportuno como em 90 minutos – chronos - de futebol, por outro lado, sair o gol tão esperado, é o kairos).  O que é o kairos? O Kairos, é o tiro certo de interpretação e desvendamento da razão da história, mas, para tanto, deve-se contar com a consciência histórica a que o sujeito pode locupletar. Já para Arendt (2007, p.126), é diferente, parece mais viável dizer que sua visão de história privilegia os sujeitos de ação e discurso que nela participaram (e participam) pelo processo político de amor mundi - mundo como artefato humano que constitui o espaço público comum a todos. Portanto a história arendtiniana empreita também um aspecto pedagógico e geracional (tradição). Quanto sua crítica, ela mira distorções modernas, por efeito, estuda o que deflagrou a decadência (queda) da esfera pública ao longo do tempo. Arendt pensa na modernidade, em especial, como tenta impor uma concepção de história autômata, ou seja, história que segue o previsível das ideias e das forças inseridas no processo econômico (ARENDT, 2008, p.264). Dessa maneira Tillich e Arendt criticam os processos econômicos representativos da história-progresso ao buscarem alguns conceitos e parâmetros na plataforma da antiguidade (greco-romana). Se os dois discutem a participação do sujeito na história, Tillich (1987, p.613) enxerga e aposta no sujeito de conhecimento histórico, portanto, tem a concepção de história subjetiva e existencial, Arendt, propõe o sujeito político (da ação e discurso), logo, tem a concepção de história objetiva. Tillich, talvez, vê a história para um sentido e fim a justificar os meios a que os sujeitos escolhem suas existências (ênfase linear e teleológica da história); Arendt, coloca essa questão metodológica mais nos meios para que os sujeitos, ao agir por acordo, a fim de fabricarem um mundo melhor (ênfase neo-pragmático da história), possam viver entre os que discutem os negócios humanos. Mas entre a existência e o mundo melhor para os sujeitos (realismo tillichiano), ou, entre a subjetividade e a objetividade, ainda, entre a idéia metafísica e a idéia política (pensamento arendtiniano), o que se deve depor como inevitável no contraste dessas concepções históricas é que há uma epistemologia da prática social, que faz da história e sua visão uma questão de método e inserção epistemológica.
Referência
ARENDT, Hannah. A condição humana (2008)
____ . Entre o passado e o futuro (2007)
TILLICH, Paul. A era protestante (1992)
____ . Teologia Sistemática (1987)

sábado, 24 de dezembro de 2011

Derrida e a Desconstrução (da Política).

Derrida, 1930-2004
Foi a partir da década de 70 que Jacques Derrida cunhou o conceito desconstrução. Nascimento (2004, p.12) explica que: “[...] não há ‘conceitos’ nem ‘idéias’ filosóficas propriamente ditas em Derrida. Há noções e categorias não-fechadas, ou ainda operadores textuais, alguns dos quais ele nomeia como ‘indecidíveis’, e que estruturam seus textos de maneira dinâmica.” O filósofo francês empreitou esse conceito na época da escrita da obra Gramatologia (1967) - e parece que foi a partir desse trecho que a palavra provocou grande impacto no imaginário intelectual da França, Europa, Estados Unidos, inclusive, aqui no Brasil: “A ‘racionalidade’ – mas talvez fosse preciso abandonar esta palavra, pela razão que aparecerá no final desta frase -, que comanda a escritura assim ampliada e radicalizada, não é mais nascida de um logos e inaugura a destruição, não a demolição mas a de-sedimentação, a desconstrução de todas as significações que brotam da significação de logos (DERRIDA, 2006, p.13). Portanto o termo (desconstrução) surgiu quase espontaneamente, ao mesmo tempo em que surgiu com precaução, muito embora Derrida tenha se inspirado na filosofia heideggeriana, entretanto, ele não culminará sua empreitada no campo da filosofia existencial e nem seguirá a via do pensamento niilista (nas vias Nietzschianas). Nascimento diz: “Na citada ‘Carta a um amigo japonês’, Derrida explica que a palavra ‘desconstrução’ se lhe impôs, sobretudo na Gramatologia, mas ele mesmo não tinha certeza de sua existência em francês. O termo surgiu como tentativa de traduzir as designações heideggerianas Abbau e Destruktion, as quais ele evitou transcrever como ‘destruição’, a fim de evitar a conotação niilista.”
Habermas (2000, p.265) numa de suas considerações críticas sobre algumas das questões das aporias nos discursos da pós-modernidade, critica que Derrida “[...] chama o seu procedimento de desconstrução porque este deve desmontar os suportes ontológicos erigidos pela filosofia no decorrer de sua história da razão centrada no sujeito.”
O que para nós aqui é importante: a desconstrução propõe deslocar “conceitos”, e no contexto político, a desconstrução de um conceito deve conflitar toda lógica de relação de dominação dos sujeitos, dos discursos, das verdades, das instituições, etc. “O trabalho rebelde de desconstrução visa à destruição das hierarquias habituais de conceitos básicos, à derrubada de contextos de fundação e de relações conceituais de dominação, como entre a fala e a escritura, entre o inteligível e o sensível, a natureza e a cultura, o interno e o externo, o espírito e a matéria, o homem e a mulher (HABERMAS, 2000, p.264)”. Nascimento completa que: “A desconstrução tem a ver, portanto, com um processo de descentramento, e segundo Derrida passa por diversas questões de tradução cultural, de um contexto a outro.” Mas afinal o que desconstruir – surge mais concreta a pergunta? Desconstruir aquilo que tende a centralizar, dicotomizar, mistificar, aparelhar, dominar, espraiar colonizações e hierarquizar o poder, desde que isso tenha por sina gerar deslocamentos e ocultamentos da liberdade, da ética e da estética (existencial) dos sujeitos. Se os conceitos, as tramas, as forças, os jogos discursivos de verdade e suas estratégias, bem como a produção de textos, trabalham contra a liberdade do sujeito, então é preciso descontruir para fazer valer a política dos sujeitos. Por fim, fica um alerta: “Como a desconstrução ocorre em contextos específicos, não podemos nunca fazer uma afirmação generalizada sobre seus processos e efeitos, ignorando o momento histórico, as forças em conflito, os pontos de deslocamentos, etc.” (NASCIMENTO, 2004, p.41)

Referências:
DERRIDA, Jacques. Gramatologia. Trad. Miriam Chnaidermam e Renato Janine Ribeiro. São Paulo : Perspectiva, 2006.
HABERMAS, Jürgen. O discurso filosófico da modernidade. Trad. Luiz Sérgio Repa, Rodnei Nascimento. São Paulo : Martins Fontes, 2000.
NASCIMENTO, Evandro. Derrida. Rio de Janeiro : Jorge Zahar, 2004.

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

O Sujeito e o Poder


        Quem é que disse faticamente que Foucault não pensa sobre o sujeito ou que não há um sujeito a ser pensado em Foucault? Não é bem assim!
        A obra de Michel Foucault destaca a relevância do poder no delineamento da figura do sujeito e na formação do indivíduo como produto que surge das instituições e das sociedades, e assim o concebe tendo como sustentáculos as forças de poder e de saber, aliás, forças (poder-saber) que se articulam estrategicamente na história ocidental frente às implicações das relações existentes entre eles.

Michel Foucault

        Muito embora a categoria "poder" ocupe posição crucial na obra de Foucault, é notável que ele nunca tenha escrito um livro específico sobre o tema. Entrementes, a categoria poder no pensamento foucaultiano é “interpenetrado de historicidade”, logo, surge como ponto de apóio a complexas relações de forças, sobre a qual incidem inúmeras conformações produtoras de “verdades”, em razão disto, tanto podem reafirmar como recriar o sentido de sujeito ou, ainda, sob tais jogos de verdades e práticas discursivas de verdade, é que se pode (re)discutir o binômio individual/social (do sujeito moderno).
        Esse é o espaço de formação - a partir da filosofia analítica - ao qual Foucault desenvolve a genealogia de um “sujeito moderno”, caracterizando-o como correlato de certa disponibilidade ou exposição às técnicas que o poder disciplinar e o biopoder (inclusive, o poder pastoral) deve formatar uma nova corporeidade, individualidade e o sujeito dado na prática social. Agora o sujeito está aplicado no plano “destrancendentalizado”, ou seja, através do plano analítico da linguagem, da orientação discursiva ou da ordem discursiva, ele se efetiva, comunica, trabalha e fala. São as empiricidades do sujeito.
        Por outro lado, é o poder-saber intracorporal, ético-existencial, político, e eclipsado nesse sujeito, por meio dos exercícios, das técnicas, da ascese, deve ter implicação correlata na subjetivação do sujeito, atualizando-o sempre através do que Foucault chama de cuidado de si. E considerando ainda que não é mesmo a atividade do sujeito de conhecimento que poderia produzir um dado saber, útil ou arredio ao poder, isto é, não se trata de investigar a consciência, a cognitividade, ou a interpretação do mundo correlato ao sujeito que o interpreta, não é isso, na verdade, essa genealogia - a partir do poder-saber - investiga os processos e as lutas que atravessa e constitui o sujeito, bem como determina as formas e os campos possíveis para o seu conhecimento. O sujeito é remetido a partir dessa microfísica ao plano da liberdade e da política. Isso também quer dizer que o sujeito (foucaultiano) dá sustentação de desmantelamento da antiga visão do poder centrado no “rei”, enquanto súdito, enquanto passivo ou encantado naquele estático vislumbre do poder estatal (poder soberania). Portanto, esse sujeito não é o indivíduo que surge como mera invenção do Estado!
        O rastro histórico desse estudo do poder deve tratar do período entre o século XVII e XVIII, da sociedade disciplinar e da sociedade de controle na contemporaneidade. Mas essa flexão da microfísica em torno do sujeito poder-saber, sujeito gerido pela busca do cuidado por si mesmo desloca a discussão do poder em nível da totalidade, ou melhor, permite pensá-lo fora da Lei, fora do Limite ou fora da Soberania. Trata-se, portanto, de investigar a estética e política da liberdade a que o sujeitos podem experimentar no acontecimento e fuga dos limiares epistemológicos. A quem queira se aprofundar, das obras de Foucault, indico que é mais denso essa discussão em “Vigiar e Punir”, “História da Sexualidade” - v.1 e 2, e “Hermenêutica do Sujeito”.


Maquinaria Escolar (História Moderna)

Deleuze, filósofo francês, 1925-1995
A sociedade moderna inventou máquinas de captura e sequestro! O surgimento de maquinarias - máquina-indústria, máquina-hospital, máquina-presídio, máquina-escola – efetiva essa configuração da “máquina concreta”, como pensou o filósofo francês Deleuze (2005, p.49), lugar-agenciamento dos indivíduos. Nesse sentido, é dentro do raio do funcionalismo maquínico que se deflagra e se configura alguns dispositivos binários (entre o normal/anormal, entre incluso/excluso), ou seja, as maquinarias modernas evidenciam modos e processos de relação entre as tecnologias sociais e as técnicas de disciplinamento dos indivíduos à maneira de abstração de uma dada totalidade (como subterfúgio) a ser inventada por modos racionais bem conforme o traço do desenho social conveniente. Dessa lógica, a máquina mira, principalmente, os corpos dos indivíduos - e procura deter também a interpretação. Não é diferente com a escola, ela é uma máquina social (nessa complexa maquinaria estatal moderna). Mas o que faz essa máquina social? Fabrica indivíduos, classifica-os entre produtivos e não produtivos, entre normais e anormais, estabelece um programa a ser perseguido (do tempo, da composição espacial, da função dos corpos dentro desse sistema, etc.), inventa o real (estatísticas, mecanismos de controle e produção, metas e planejamentos), enfim, o desempenho dessa maquinaria escolar tem muitos tentáculos e também elementos deterministas que o mantém. Ademais, a mola impulsionadora dessa maquinaria moderna e contemporânea elege-se a partir das práticas discursivas pedagógicas e educativas. Portanto, tanto os saberes escolares e pedagógicos aparecem através do domínio das ideias daqueles que trabalham com a educação do pensamento (professores, atores do processo, etc.), quanto, também, estão imbuídos nos sistemas de ideias que são afluídas desse campo de saberes poderes (microfísicos) eclipsados nessa maquinaria, seja através de táticas, de estratégias, seja das resistências e opressões, pois isso sempre variará conforme o enfoque ou a experiência coletada no campo social, por exemplo, o atestado médico do professor estressado, o laudo da criança “anormal”, a apatia ou indisciplina do aprendiz, a ameaça da nota baixa e do fracasso escolar, enfim, o poder microfísico age de outro modo, pois, é positivo, inventivo, liberativo - porque libera ou detona ações intrapsíquicas e intersubjetivas (em vez de cercear, proibir, inibir!). O mais interessante é olhar essa maquinaria escolar que se evolui dos saberes e dos poderes que estabelecem práticas discursivas entre os que educam e os que são educados no sistema de ideias pedagógicas e educativas através de um tipo de anatomia política muito singular.